DESCONTO DE IR ILEGAL

Distrito Federal desconta de forma ilegal imposto de renda sobre os valores recebidos pelos servidores de licença médica e de licença maternidade.

DF desconta de forma ilegal imposto de renda sobre os valores recebidos pelos servidores

O Distrito Federal não cumpre a legislação do Imposto de Renda de forma correta e realiza descontos indevidos dos servidores públicos que estão em fruição de licença para tratamento de saúde. No presente texto, abordaremos o vício cometido pela Secretaria de Estado de Gestão Administrativa e Desburocratização do Distrito Federal. Será enfrentada a ilicitude nos descontos de Imposto de Renda para pessoas em licença para tratamento de saúde. O mesmo raciocínio, no entanto, vale para licença maternidade.

A Secretaria de Estado de Gestão Administrativa e Desburocratização do Distrito Federal, a SEGAD, foi criada pelo Decreto nº 36.236 de 1º de janeiro de 2015, que fixou a estrutura da Administração Pública do Poder Executivo do Distrito Federal. Sua atuação e competência abrangem as seguintes áreas:

• Gestão de Pessoas;

• Formação e capacitação dos servidores públicos;

• Saúde e previdência do servidor público;

• Coordenação da estrutura administrativa da Administração Público do Distrito Federal;

• Compras e logística do Distrito Federal;

• Patrimônio do Distrito Federal;

• Tecnologia da Informação e Comunicação do Distrito Federal;

• Modernização e desburocratização da Administração Publica Direta e Indireta do Distrito Federal.

A SEGAD é o órgão responsável por “rodar” a folha de pagamentos de todos os servidores públicos do Distrito Federal, sendo a responsável por averbar e realizar os descontos previdenciários e referentes ao Imposto de Renda de todos os servidores públicos do Distrito Federal. Por conseguinte, também é o órgão responsável por averbar as isenções previdenciárias e tributárias a que os servidores, eventualmente, fazem jus.

A SEGAD realiza os descontos a título de Imposto de Renda em desfavor de todos os servidores que se encontram de licença para tratamento de saúde e de todas as servidoras que se encontram de licença maternidade. A cobrança é indevida, conforme se depreende da conjugação da Lei Complementar Distrital 840/2011, da Lei Complementar Distrital 769/2008 e da Lei Federal 8541/92.

Com efeito, a Lei Complementar 840, de 23 de dezembro de 2011, em seu artigo 273, § 1o , no título VIII, sob a rubrica DA SEGURIDADE SOCIAL DO SERVIDOR, na seção II, sob a rubrica da licença médica e da licença odontológica, prevê que:

Art. 273. Pode ser concedida licença de até quinze dias para o servidor tratar da própria saúde, sem prejuízo da remuneração ou subsídio.

§ 1o A partir do décimo sexto dia, a licença médica ou odontológica converte-se em auxílio-doença, observadas as normas do regime próprio de previdência social do Distrito Federal.

§ 2o Aplica-se o disposto no art. 131 à licença médica ou odontológica apenas na hipótese de novo benefício concedido em decorrência da mesma doença.

A Lei 8541, de 23 de dezembro de 1992, que alterou a legislação do Imposto de Renda e dá outras providências, por sua vez, no artigo 48, com a redação dada pela Lei 9250, de 1995, prevê que:

Art. 48. Ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos pelas pessoas físicas decorrentes de seguro-desemprego, auxílio-natalidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e auxílio-acidente, pagos pela previdência oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas entidades de previdência privada.

A Lei Complementar Distrital 769, de 30 de junho de 2008, publicada no DODF de 1o de julho de 2008, reorganizou e unificou o regime próprio de Previdência Social do Distrito Federal, em seu artigo 17, expressamente prevê que o auxílio-doença é adimplido pelos cofres do IPREV:

Do Plano de Benefícios

Art. 17. O RPPS/DF, gerido pelo Iprev/DF, assegura aos beneficiários que preencham os requisitos legais os seguintes benefícios:

I – quanto ao segurado:

a) aposentadoria compulsória por invalidez permanente;

b) aposentadoria compulsória por idade;

c) aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribuição;

d) aposentadoria voluntária por idade;

e) aposentadoria especial do professor;

f) aposentadoria especial nos casos previstos em lei complementar federal, nos termos do art. 40, § 4o, da Constituição Federal;

g) auxílio-doença;

h) salário-maternidade;

i) salário-família;

II – quanto aos dependentes dos segurados:

a) pensão por morte;

b) auxílio-reclusão.

Assim, resta claro que a tributação de Imposto de Renda, realizada pelo Distrito Federal, mostra-se ilegal. É, à luz dos preceitos acima transcritos, isento de Imposto de Renda a verba auferido a título de auxílio doença.

Em 26 de maio de 2015, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, enfrentando o tema, dispôs que a licença de tratamento de saúde, estabelecida no estatuto dos servidores públicos mineiros, é equivalente ao “auxílio doença”, previsto na Lei 8213/91. No julgado a que se faz referencia, concluíram que “os valores percebidos pelo servidor a título de licença para tratamento de saúde são isentos do imposto de renda, com fundamento no art. 48 da Lei Federal no 8.541/92”. Confira-se a ementa:

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO TRIBUTÁRIO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE - IMPOSTO DE RENDA - ISENÇÃO - POSSIBILIDADE - ART. 48 DA LEI FEDERAL No 8.541/1992 - ENCARGOS DA MORA - UTILIZAÇÃO DA TAXA SELIC A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. A "licença para tratamento de saúde", estabelecida no art. 6o, 'b' da Lei Complementar Estadual no 64/2002, é equivalente ao "auxílio-doença", previsto no art. 18, I, 'e', da Lei Federal no 8.213/91, sendo custeada com verbas de origem previdenciária, consoante art. 39, I, da Lei Complementar Estadual no 64/2002, razão pela qual os valores percebidos pelo servidor a título de licença para tratamento de saúde são isentos do imposto de renda, com fundamento no art. 48 da Lei Federal no 8.541/92. Reconhecido o direito à restituição, deve ser garantida a repetição do indébito aos filiados do sindicato autor, acrescida de correção monetária desde o desconto indevido, até o trânsito em julgado e, a partir daí, deve incidir a Taxa SELIC, que abrange os juros e a correção monetária, diante de expressa disposição na legislação estadual. (AP CÍVEL/REEX NECESSÁRIO No 1.0024.13.242912-7/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REMETENTE.: JD 3 V FEITOS TRIBUTARIOS ESTADO COMARCA BELO HORIZONTE - APELANTE(S): SERJUSMIG - SINDICATO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GE - APELADO(A)(S): ESTADO DE MINAS GERAIS)

Além da conformidade da nomenclatura e do regime de pagamento por meio do Instituto de Previdência, corroborando a tese da isenção tributária, cumpre transcrever o artigo 5o da Lei Federal 9717/98, verbis:

Art. 5o Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

Vale dizer, se a legislação federal veda a instituição, pelos Estados, de benefício distinto dos previstos para o RGPS, é forçoso reconhecer que a licença para tratamento de saúde, instituída pelo Estado de Minas Gerais, equivale ao auxílio-doença, instituído pela União. Logo, devem receber igual tratamento jurídico e tributário. O mesmo raciocínio se aplica aos servidores da União e do Distrito Federal, regidos, respectivamente, pela Lei 8112/90 e pela Lei Complementar 840/2011.

Nem se diga que reconhecer a não incidência tributária, em tal caso, equivaleria a aplicar isenção por interpretação extensiva ou analógica, vedada pelo art. 111, II, do Código Tributário Nacional, pois aqui apenas se defende a aplicação pura e simples do disposto no art. 48 da Lei Federal no 8.541/92, já que o nomen juris utilizado (auxílio-doença ou licença para tratamento de saúde) é irrelevante para a análise da não incidência tributária, cabendo ao intérprete perquirir a natureza jurídica do instituto, sem ficar adstrito à sua nomenclatura. É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

É irrelevante o nomen iuris que empregado e empregador atribuem a pagamento que este faz àquele, importando, isto sim, a real natureza jurídica da verba em questão. (STJ - EREsp 695.499/RJ, Relator Ministro Herman Benjamin, DJ 24/09/2007).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. (...) VERBAS DE CARÁTER INDENIZATÓRIO. DESCARACTERIZAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. (...) 4. Este Tribunal Superior já consagrou o entendimento de que somente as parcelas de caráter indenizatório não serão computadas para efeitos dos limites remuneratórios estabelecidos para o teto constitucional, ex vi do art. 37, § 11, da CF. Logo, o que importa é a natureza jurídica da vantagem recebida pelo servidor - e não o nomen iuris atribuído a ela. (...) (STJ - AgRg no RMS 26.698/RJ - Relator Ministro Vasco Della Giustina, DJ 21/11/2011 - destaquei).

Ademais, o art. 150, II, da Constituição da República, veda aos Estados "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos".

Diante de tais considerações, é forçoso concluir que os descontos a título de Imposto de Renda, incidentes sobre o “auxílio doença”, custeado com verbas do Instituto de Previdência do Distrito Federal, são isentos da incidência tributária, com fundamento no artigo 48 da lei Federal 8541/92. Cabível, portanto, Mandado de Segurança para impedir que o Estado proceda a novos e ilegais descontos, bem como ação de repetição de indébito tributário.

Fontes:

  • http://www.sabermelhor.com.br/index.php/764-imposto-renda-licenca-medica-e-maternidade.html
  • Foto meramente ilustrativa